Um estudo publicado recentemente na revista científica Nature, uma das mais renomadas e influentes do mundo, desvendou um mecanismo essencial na formação de chuva na Amazônia: o papel oculto da floresta na produção de seus próprios aerossóis, fundamentais para a formação de nuvens! Para entender esse resultado, é necessário compreender como as nuvens se formam e a dinâmica da precipitação na Amazônia.
Uma nuvem é um conjunto de gotículas de água no estado líquido ou sólido. Elas se formam quando o ar está supersaturado em relação à água líquida. No contexto da microfísica de nuvens, isso refere-se a uma condição em que a umidade do ar está acima do nível que seria suficiente para “preencher” (saturar) o ar com vapor de água a uma dada temperatura, ou seja, umidade relativa superior a 100%.
Nestas condições, o vapor de água se condensa (a para a forma líquida) sobre partículas sólidas suspensas na atmosfera, conhecidas como Núcleos de Condensação de Nuvens (NCNs). Os NCNs fazem parte de um tipo específico de aerossol, cujas propriedades permitem a nucleação da condensação do vapor d’água, ponto de partida para a formação de gotículas de água nas nuvens.
Este processo cria gotículas de nuvens que, através de diversos processos físicos, crescem e interagem entre si, até alcançarem tamanhos ditos ‘precipitáveis’, ou seja, quando as gotas - ou partículas de gelo - são pesadas o suficiente para caírem da nuvem em direção à superfície. Agora que entendemos a necessidade dos aerossóis para a formação das nuvens e da chuva, podemos explorar melhor a dinâmica da chuva na Amazônia.
A precipitação na Amazônia é alimentada principalmente pelo transporte de umidade do oceano Atlântico equatorial, com fluxo de vapor d'água de leste para oeste ao longo do ano, impulsionado pelos ventos alísios. A floresta utiliza esta umidade para a sua precipitação local e, então, ocorre um fenômeno conhecido como reciclagem da precipitação na bacia amazônica.
Estima-se que 20% a 35% da precipitação na Amazônia seja reciclada localmente, o que evidencia o papel fundamental da existência da floresta para a formação de grande parte da precipitação. Esse processo também fornece umidade para outras regiões da América do Sul, como o Centro-Sul do Brasil e a bacia do Prata, em particular durante a primavera e o verão.
O estudo de colaboração internacional, liderado pelo cientista brasileiro Luiz Augusto Toledo Machado, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP), muda o paradigma no entendimento das interações entre aerossóis, nuvens e precipitação na Amazônia.
Até então, acreditava-se que a floresta não fosse capaz de produzir esses aerossóis, com a hipótese de que eles se originavam em altitudes mais elevadas. No entanto, a pesquisa revelou que, durante e após a chuva, as concentrações de NCNs diretamente acima do dossel florestal (topo das árvores) são superiores às encontradas em altitudes mais altas, indicando que esses aerossóis se formam dentro da própria floresta.
A explicação, de forma simplificada, é que a chuva induz a formação de nanopartículas (partículas muito pequenas) com tamanhos típicos de NCNs. Esse fenômeno pode ser parcialmente explicado pela injeção de ozônio (O3) no dossel florestal, o que favorece a oxidação de compostos orgânicos voláteis biogênicos. Esse processo intensifica a formação de novas partículas, essenciais para a formação de novas nuvens.
Em resumo, as correntes descendentes de vento geradas pela precipitação transportam O3 da troposfera livre, uma camada atmosférica onde o ar é naturalmente rico em O3 e menos influenciada por processos que ocorrem na superfície terrestre, para o interior do dossel. O O3, por sua vez, reage com os gases liberados naturalmente pela floresta, transformando-os em partículas sólidas ou líquidas que atuam como NCNs para a formação de novas nuvens e precipitação.
Esses novos achados, somados ao conceito de reciclagem da precipitação, reforçam o papel indispensável da floresta amazônica no equilíbrio climático e hídrico. Os processos únicos de geração de umidade e aerossóis na região não apenas sustentam o ciclo da precipitação local, mas também têm impactos significativos em outras partes da América do Sul, regulando regimes de chuva essenciais para a agricultura, o abastecimento de água e a manutenção de ecossistemas.
Além de sua influência climática, a Amazônia é um dos maiores reservatórios de biodiversidade do planeta, abrigando milhares de espécies que desempenham funções críticas para a estabilidade ambiental. Preservar a floresta é, portanto, essencial não apenas para a segurança hídrica e climática, mas também para a proteção de sua rica diversidade biológica, que é um legado insubstituível para as gerações futuras.