Os terremotos que abalam os continentes também sacodem o fundo do mar, mas monitorar essas vibrações em águas profundas sempre foi caro e logísticamente complexo. Pensando nisso, pesquisadores do Observatório Nacional (ON), do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP (IAG-USP) e do centro de pesquisa da Petrobras/Cenpes mergulharam em uma ideia ousada: usar drones submarinos, os chamados gliders, para captar ruídos sísmicos enquanto realizam missões oceanográficas de rotina.
Mesmo sem ter sido construído para “ouvir” terremotos, o equipamento gravou sinais de tremores locais e distantes, provando que a frota de gliders brasileira pode abrir uma nova janela para entender a dinâmica da crosta terrestre sob os oceanos.
Um glider é um pequeno veículo autônomo que desce e sobe na coluna d’água alterando sua flutuabilidade. Não existe hélice barulhenta: ele “plan(a)” lentamente, quase sem fazer ruído, e envia dados via satélite toda vez que vem à superfície. Isso reduz custos de operação e permite campanhas que duram meses sem necessidade de navio de apoio contínuo.
Para o PMPAS-BS, cada glider carrega um hidrofone, microfone submarino sensível a baixas frequências, voltado originalmente à medição de ruídos de origem humana, como sísmicas de óleo e gás. Ao reaproveitar essas gravações, os cientistas perceberam que seria possível identificar também o som das ondas sísmicas que viajam pelo interior da Terra e se convertem em vibração acústica ao chegarem ao leito oceânico.
Primeiro, os pesquisadores combinaram os registros dos gliders a catálogos globais de terremotos e aplicaram um algoritmo para separar sinais verdadeiros de ruídos de fundo. O resultado surpreendeu:
Esses números mostram que, com pequenos ajustes de sensibilidade e horários de amostragem, a detecção poderia aumentar ainda mais, preenchendo lacunas em regiões oceânicas hoje “surdas” para a sismologia.
Ao provar que drones submarinos de baixo custo podem atuar como “sismógrafos móveis”, o trabalho abre perspectivas ambiciosas para a ciência e para a segurança. Países costeiros poderão ampliar redes de alerta de tsunamis sem instalar equipamentos caros no fundo do mar.
No Brasil, a integração entre ON, IAG-USP e Petrobras cria um elo virtuoso entre pesquisa acadêmica e inovação industrial. Se novos sensores forem incorporados aos gliders, incluindo GPS acústico de alta precisão ou baterias de longa duração, eles poderão vigiar vulcões submersos, mapear falhas sísmicas ativas e até explorar oceanos de outros mundos, onde missões futuras buscarão sinais de vida.
Em um cenário de mudanças climáticas e expansão da economia azul, ouvir o “pulso” da Terra debaixo d’água não é luxo tecnológico: é investimento estratégico. O estudo brasileiro mostra que, com criatividade e colaboração, é possível transformar equipamentos existentes em ferramentas de ponta e, assim, aproximar a sociedade dos mistérios que ainda ecoam no fundo dos mares.
Ocean drones enabling long-term earthquake monitoring in target zones. 30 de maio, 2025. de Oliveira Coelho, D.L., de Bianchi, M.B., Maurício, Í.C.B.S. et al.