Drones submarinos revelam tremores ocultos: o salto da ciência brasileira no monitoramento sísmico

Usando drones submarinos silenciosos equipados com hidrofone, pesquisadores do Observatório Nacional, USP e Petrobras detectaram onze terremotos globais e um local na Bacia de Santos, mostrando que missões oceanográficas baratas podem reforçar redes de alerta sísmico nacionais.

Gliders, drone
Os gliders submarinos são veículos autônomos que deslizam silenciosamente pelas profundezas oceânicas, capazes de registrar sinais sísmicos mesmo em missões não planejadas para isso.

Os terremotos que abalam os continentes também sacodem o fundo do mar, mas monitorar essas vibrações em águas profundas sempre foi caro e logísticamente complexo. Pensando nisso, pesquisadores do Observatório Nacional (ON), do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP (IAG-USP) e do centro de pesquisa da Petrobras/Cenpes mergulharam em uma ideia ousada: usar drones submarinos, os chamados gliders, para captar ruídos sísmicos enquanto realizam missões oceanográficas de rotina.

O estudo, publicado na revista Scientific Reports, analisou seis anos de dados do Projeto de Monitoramento da Paisagem Acústica Submarina da Bacia de Santos (PMPAS-BS).

Mesmo sem ter sido construído para “ouvir” terremotos, o equipamento gravou sinais de tremores locais e distantes, provando que a frota de gliders brasileira pode abrir uma nova janela para entender a dinâmica da crosta terrestre sob os oceanos.

O que é um glider e por que ele é diferente?

Um glider é um pequeno veículo autônomo que desce e sobe na coluna d’água alterando sua flutuabilidade. Não existe hélice barulhenta: ele “plan(a)” lentamente, quase sem fazer ruído, e envia dados via satélite toda vez que vem à superfície. Isso reduz custos de operação e permite campanhas que duram meses sem necessidade de navio de apoio contínuo.

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Gliders submarinos ajustam a flutuabilidade para subir e descer na coluna d’água, proporcionando monitoramento eficiente e de baixo custo em longas missões oceânicas.

Para o PMPAS-BS, cada glider carrega um hidrofone, microfone submarino sensível a baixas frequências, voltado originalmente à medição de ruídos de origem humana, como sísmicas de óleo e gás. Ao reaproveitar essas gravações, os cientistas perceberam que seria possível identificar também o som das ondas sísmicas que viajam pelo interior da Terra e se convertem em vibração acústica ao chegarem ao leito oceânico.

Principais achados do estudo

Primeiro, os pesquisadores combinaram os registros dos gliders a catálogos globais de terremotos e aplicaram um algoritmo para separar sinais verdadeiros de ruídos de fundo. O resultado surpreendeu:

  • 11 tremores globais (de magnitude ≥ 6) e 1 evento local foram detectados entre 2015 e 2021.
  • A maioria ocorreu a centenas de quilômetros de profundidade, onde as ondas sísmicas se propagam com menos dissipação.
  • Mesmo com janelas de gravação curtas (cerca de 6 h por dia), a taxa de sucesso na identificação automática ficou em 20 %.
  • As ondas que atravessam o manto e o núcleo terrestre chegaram com clareza, indicando que o sistema consegue “enxergar” muito além do litoral.

Esses números mostram que, com pequenos ajustes de sensibilidade e horários de amostragem, a detecção poderia aumentar ainda mais, preenchendo lacunas em regiões oceânicas hoje “surdas” para a sismologia.

Impacto e caminhos futuros

Ao provar que drones submarinos de baixo custo podem atuar como “sismógrafos móveis”, o trabalho abre perspectivas ambiciosas para a ciência e para a segurança. Países costeiros poderão ampliar redes de alerta de tsunamis sem instalar equipamentos caros no fundo do mar.

Além disso, dados obtidos em tempo quase real ajudam a refinar modelos que explicam a estrutura interna do planeta, peça-chave para prever riscos geológicos e entender a formação de recursos minerais.

No Brasil, a integração entre ON, IAG-USP e Petrobras cria um elo virtuoso entre pesquisa acadêmica e inovação industrial. Se novos sensores forem incorporados aos gliders, incluindo GPS acústico de alta precisão ou baterias de longa duração, eles poderão vigiar vulcões submersos, mapear falhas sísmicas ativas e até explorar oceanos de outros mundos, onde missões futuras buscarão sinais de vida.

Em um cenário de mudanças climáticas e expansão da economia azul, ouvir o “pulso” da Terra debaixo d’água não é luxo tecnológico: é investimento estratégico. O estudo brasileiro mostra que, com criatividade e colaboração, é possível transformar equipamentos existentes em ferramentas de ponta e, assim, aproximar a sociedade dos mistérios que ainda ecoam no fundo dos mares.

Referência da notícia

Ocean drones enabling long-term earthquake monitoring in target zones. 30 de maio, 2025. de Oliveira Coelho, D.L., de Bianchi, M.B., Maurício, Í.C.B.S. et al.